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Mês da Paralisia Cerebral: Muitos milhões de motivos

Neste Mês da Paralisia Cerebral (em outubro, coincidem o Dia Mundial e o Dia Nacional), fomos ao encontro de utentes, familiares e profissionais da APCC para saber o que tinham para dizer. E, tomando o mote do Dia Mundial – “Milhões de motivos” – quisemos saber sobretudo os seus motivos para (continuar a) lutar por mudanças. Hoje, Dia Nacional da Paralisia Cerebral, assinalamos essa data partilhando os seus testemunhos.

Entretanto, até ao final do mês, continuaremos a recolher frases com os motivos de todos para se manifestarem no Mês da Paralisia Cerebral…  Podem vir de pessoas com paralisia cerebral, familiares, amigos, profissionais da área, ou de qualquer outra pessoa ou entidade que queira, simplesmente, juntar-se a esta iniciativa por uma sociedade mais inclusiva. E podem ser reflexões, experiências, memórias, reivindicações ou quaisquer outras formas que cada um escolha para partilhar.

Façam-nos chegar o(s) vosso(s) motivo(s) através do formulário que disponibilizamos em https://bit.ly/MesParalisiaCerebralAPCC, de mensagem direta na nossa página de Facebook ou do e-mail informacao@apc-coimbra.pt.

 

MUITOS MILHÕES DE MOTIVOS

 

Na primeira pessoa: os motivos das pessoas com paralisia cerebral e das suas famílias

«Todos os dias são ‘milhões de motivos’ para festejarmos: o amor; a vida, porque nasceu a lutar por ela; a garra de vencedor e as pessoas maravilhosas que nos acompanham. E, quando avança para mais autonomia e ganha asas devagarinho, a magia acontece e a paralisia cerebral mostra-nos o essencial! “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”, como escreveu Antoine de Saint-Exupéry, em “O Principezinho”». É assim que Susana Januário descreve a vida com o seu filho Pedro, um dos utentes mais jovens da APCC, e como a paralisia cerebral levou a família a encontrar novas formas de olhar o quotidiano.

Essa necessidade de se adaptar a uma realidade inesperada é comum a muitas famílias – em Portugal, são diagnosticados 150 a 200 novos casos por ano – e, mesmo que cada caso seja um caso e encerre em si as suas próprias respostas, iniciativas como o Dia Mundial ou o Dia Nacional pretendem dar destaque a todas essas histórias.

Cláudia Cilheiro entende o papel destas datas e diz fazer questão que a filha Catarina, de 8 anos, «se sinta tão especial como no Dia da Criança, para que não se sinta envergonhada e que aceite e trabalhe para o seu bem-estar». Mas ao mesmo tempo, reforça a importância de, em sociedade, se olhar para este tema de outra forma. «É necessário mudar, no sentido de aceitar que estas crianças também merecem uma vida tão digna como qualquer outra», afirma, lançando um olhar crítico para o que ainda há a fazer para acabar com a discriminação que diz já ter sentido na pele.

A urgência de «colmatar as necessidades destes cidadãos de direito» é também identificada por Júlio e Albertina Fernandes, pais de Ângela, utente do CAARPD – Centro de Atendimento, Acompanhamento e Reabilitação Social para Pessoas com Deficiência, que olham com esperança para o dia em que a filha não será «olhada como um ser humano inferior, digno de pena».

A mesma ambição tem Alda Sousa, formanda da APCC: «Quero que as pessoas sem paralisia entendam que sou igual a elas, com algumas dificuldades, mas não é por isso que passo a ser menos humana. Quando era mais nova, ouvia as pessoas dizerem “Ai, coitadinha daquela menina”… Não precisamos que tenham pena de nós, mas sim que nos deem valor e nos respeitem. Ter paralisa cerebral não é entrave para mim, admito que necessito de um bom pilar de apoio, mas sou capaz. Sinto me capaz».

Mas se, como diz a frase batida, o caminho se faz caminhando, a inclusão das pessoas com deficiência tem sido um percurso com avanços e recuos. Por exemplo, de acordo com o último relatório oficial, existiam em 2020 mais de 13 mil cidadãos com deficiência inscritos nos centros de emprego, o número mais alto em cinco anos. E um estudo recente sobre os efeitos da pandemia da Covid-19 apontou para um aumento da exposição à discriminação, em virtude de respostas mais lentas do que para o resto da população e nem sempre ajustadas.

Esta instabilidade geral é também identificada, na sua experiência pessoal, por Teresa Vendeiro: «As mudanças têm tido muitos altos e baixos. Quanto a mim, tenho a plena consciência que os entraves se devem, desde logo, ao nosso poder político, que legisla, mas que não passa à prática. Por exemplo: a lei das acessibilidades existe há já bastante tempo, mas deparamo-nos com grandes barreiras arquitetónicas; as pensões são miseráveis e têm de ser as famílias, quando existem, a comportar as despesas; existe um desinvestimento na educação e na Cultura; e mesmo no meio científico, uma pessoa com paralisia cerebral é muitas vezes confundida como tendo déficit cognitivo, o que nem sempre é verdade». Com potencial para contribuir para uma verdadeira revolução de mentalidades, bem como da vida das pessoas com deficiência, esta beneficiária do CAVI – Centro de Apoio à Vida Independente identifica, precisamente, o projeto MAVI (Modelo de Apoio à Vida Independente), que começou a ser desenvolvido em Portugal há cerca de três anos. «Já não me revejo sem a assistência pessoal na minha vida!», resume Teresa.

A importância das ações e dos apoios do poder político, por um lado, e da comunidade, por outro, é transversal à análise dos utentes da APCC e das suas famílias. «Ter apoios da instituição ou das entidades patronais onde for integrado num trabalho, ter melhores condições de vida para viver na cidade, ter um primeiro emprego, ter uma companhia que me faça feliz, ter a minha liberdade, construindo a minha própria família, ser uma pessoa mais autónoma e independente na vida, ter as minhas responsabilidades do que faço no dia meu dia a dia», sintetiza o

formando Flávio Costa, quando questionado sobre o que seria necessário para concretizar o seu projeto de vida.
Outras respostas a esta pergunta apontam para «uma maior ajuda por parte do Estado e da comunidade» (Andreia Abrantes, mãe do Diego Alexandre, de 2 anos), «continuar a ser feliz com a ajuda da minha família» (Raquel Miranda, utente do CAARPD) ou «passar mais tempo com a minha família» (Ana Coutinho, beneficiária do CAVI), «um trabalho, uma casa e uma família» (António Castanheira, residente do Lar de Apoio) ou «dar continuidade ao projeto ‘Identidade – o Eu e o Artista’, do Departamento de Expressão Plástica (Regina Graça, residente do Lar Integrado). E nesta diversidade, é possível identificar uma ideia comum: a indispensabilidade do trabalho conjunto entre as entidades do setor social e as famílias.

«Não fora a existência de Instituições como a APCC, por certo as vidas dos familiares estariam seriamente comprometidas, no sentido em que seria muito difícil conjugar a situação laboral com a exigência dos cuidados a prestar», explica Sílvia Costa, irmã da utente do CAARPD Sílvia Maria, acrescentando: «Pela forma empenhada, dedicada e carinhosa como tratam a minha mana, pelo papel ativo que têm vindo a desenvolver na sociedade, por forma a devolver a dignidade aos cidadãos que têm necessidades especiais, como é o caso da paralisia cerebral, merecem o meu mais profundo agradecimento e respeito».

 

Um outro olhar: os motivos dos profissionais da APCC

São cerca de 400 os trabalhadores da APCC que, todos os dias e nos mais diversos serviços e respostas, dão o seu melhor para cumprir a missão da instituição de promover a inclusão social de pessoas em situação de desvantagem, com especial incidência nos que têm deficiência e/ou incapacidade. Alguns deles, acompanham mesmo os utentes e as suas famílias desde o primeiro momento, numa fase em que muitos ainda estão a adaptar-se a toda uma nova realidade.

É o caso, por exemplo, da educadora de infância Adelaide Precatado, que evoca um texto de Emily Perl Knisley, onde se compara a experiência de ter um filho com deficiência a uma viagem muito desejada, mas que acaba num destino inesperado: «Lido com pais que ainda estão a descobrir a beleza do destino que a viagem lhes reservou. É uma notícia complicada de receber, e cada família lida com ela de forma diferente, mas a sociedade precisa urgentemente de desmistificar os preconceitos e de revelar os desafios diários que as famílias enfrentam».

Ao longo de 19 anos como assistente social na área da deficiência, designadamente no acompanhamento e intervenção junto de famílias com filhos adultos com paralisia cerebral, Alexandra Machado fala com admiração de pessoas que «vivenciam momentos de stress e sofrimento em diferentes situações e, perante as adversidades, transmitem uma inigualável determinação». Fazer parte desse processo fez dela, confidencia, uma pessoa «humanamente mais enriquecida, com os ensinamentos transmitidos, quer ao nível profissional, quer ao nível pessoal».

O fisioterapeuta Tiago Pedro também fala em crescimento, a propósito da sua própria experiência a trabalhar com utentes com paralisia cerebral: «Aprendi com a sua capacidade de adaptação e resiliência e de transformar potenciais situações de adversidade em oportunidades e de as superar, muitas vezes, de forma tanto surpreendente como brilhante. O seu exemplo permitiu-me crescer enquanto pessoa e profissional, possibilitando-me ver o mundo por outro prisma, aprendendo a valorizar muito mais as pequenas grandes coisas da vida».

No mesmo sentido vão as palavras da auxiliar Marta Tanqueiro, que garante que «todos os dias são dias de aprendizagem com as pessoas com paralisia cerebral». E do seu crescimento pessoal, faz a ponte para o que pode ainda mudar na sociedade: «Acho que temos muito que aprender com elas, pois são pessoas que são muito estigmatizadas e pouco valorizadas no que concerne às suas capacidades».

Não é difícil encontrar outros trabalhadores da APCC com relatos similares. Andreia Almeida, terapeuta ocupacional, diz que «palavras como persistência, superação, resiliência, sofrimento, motivação, autonomia, dependência, oportunidades, fracasso e vitória, ganham um peso e um significado tão diferente». E fala também em encontrar espaço para o outro e para a sua afirmação: «Aprendi a moderar expectativas nos objetivos de intervenção, a reinventar técnicas e adaptações para promover a autonomia no quotidiano».

Algo semelhante podemos vislumbrar nas palavras do auxiliar Jorge Azevedo. «Aprendi essencialmente uma coisa muito importante, que cada pessoa tem uma vida pessoal e nós temos que nos ajudar uns aos outros neste aspeto. Compreendendo a vida das pessoas com paralisia cerebral, fazendo ‘interligações’ com elas, ajudando apenas naquilo que não conseguem fazer, mas não fazendo aquilo que nós achamos que deviam fazer», refere.

Com mais de metade da vida passada ao serviço da APCC e dos seus utentes (27 dos seus 50 anos), o motorista Messias Vagueiro encontra uma profunda satisfação no trabalho que realiza todos os dias e nas ligações que este lhe permite estabelecer: «Mudou a minha forma de ser e de estar em sociedade. Profissionalmente, sinto-me realizado, porque sei que também depende de mim e dos restantes profissionais da Associação a felicidade de muitas pessoas com paralisia cerebral».

Para Marlene Évora, se há motivos para celebrar um Dia Mundial ou um Dia Nacional da Paralisia Cerebral – e esta auxiliar não duvida que existem – eles encontram-se precisamente nas pessoas que são o foco do seu trabalho. «São dias para celebrar a destreza e força com que encaram os seus desafios diários, a coragem de procurarem um trabalho sem terem medo de serem excluídos, a capacidade de se fazerem ouvir, a habilidade de comerem sozinhos ou de aceitarem quem os alimente, entre outros fortes motivos. A paralisia cerebral não é um motivo para deixarem de ser felizes, mas sim, milhões de motivos para sorrirem pela sua coragem e força», defende.

É a médica Alexandra Cabral que sintetiza: «É uma oportunidade para homenagear todos os que têm paralisia cerebral e suas famílias, salientando o esforço acrescido permanente relacionado com as dificuldades no dia a dia. E também para melhorar a informação e esclarecimento sobre a paralisia cerebral e sensibilizar a comunidade para a importância de reforçar o apoio, a inclusão e a acessibilidade».